Módulo 1.

Identificação e catalogação do património cultural imaterial em áreas rurais

Em muitas ocasiões, quando a palavra património surge numa conversa, a primeira coisa que nos vem à mente são aqueles edifícios históricos que, ao longo do tempo, ganharam significado simbólico e valor cultural para a humanidade, lugares que frequentemente visitamos e fotografamos. Também pensamos frequentemente em obras de arte, achados arqueológicos, museus e outros elementos materiais valiosos. Mas, por vezes, ignoramos as expressões, festivais, tradições ou conhecimentos que também fazem parte do património cultural de uma sociedade.

Este módulo apresenta o Património Cultural Imaterial (PCI) com base na Convenção da UNESCO (2003), destacando a sua importância para a identidade e a continuidade cultural nas zonas rurais. Apresenta as categorias do PCI, técnicas participativas para a identificação e catalogação e princípios éticos para a sua salvaguarda. São discutidos os desafios contemporâneos, juntamente com estratégias de valorização, como a educação patrimonial e o turismo comunitário. O estudo de caso do Ecomuseu do Corvo ilustra a conexão entre memória, território e participação. Por fim, propõe ferramentas de autoavaliação para promover a reflexão crítica e o empoderamento local.

Fig. 1. Tradição da renda de bilros em Peniche, Portugal. Fonte: Arquivo HIGHRES.

 

Capítulos

Introdução

Este módulo convida à reflexão sobre o Património Cultural Imaterial (PCI) presente nas comunidades. Destaca a importância de ouvir, mapear e valorizar as práticas culturais vivas em contextos rurais. O objetivo é desenvolver competências práticas e críticas para atuar como mediador e mobilizador cultural, reconhecendo o conhecimento local e fortalecendo os laços comunitários.

Património Cultural Imaterial

Este capítulo apresenta o conceito de PCI de acordo com a UNESCO, enfatizando práticas e conhecimentos reconhecidos coletivamente. Ele ressalta que a salvaguarda vai além da documentação técnica, exigindo transmissão e adaptação intergeracionais. Ele valoriza o papel da escuta, do diálogo e da ação coletiva na preservação da diversidade cultural.

Tipos de Património Cultural Imaterial

Esta secção explora as cinco principais categorias do PCI descritas pela UNESCO: tradições orais, expressões artísticas, práticas sociais, conhecimentos relacionados com a natureza e artesanato tradicional. Destaca como estas categorias se entrelaçam frequentemente nas práticas vivas e devem ser reconhecidas com base nas perspetivas da comunidade.

Técnicas de identificação e catalogação

Esta secção apresenta métodos participativos para mapear e documentar o PCI em áreas rurais, tais como entrevistas, mapeamento emocional e inventários colaborativos. Defende uma abordagem ética e sensível ao contexto, priorizando o envolvimento da comunidade e o reconhecimento dos saberes locais.

Ética, direitos culturais e propriedade intelectual

Esta secção aborda os princípios éticos fundamentais na documentação do Património Cultural Imaterial (PCI), com ênfase no consentimento informado, acordos comunitários e promoção da autonomia local. Destaca a importância de proteger os direitos culturais coletivos, a propriedade intelectual partilhada e os direitos digitais em ambientes virtuais, e também explora como a narrativa, quando usada de forma ética e sensível, pode fortalecer a escuta, a representação e a salvaguarda do PCI.

Valorizar o PCI e os desafios contemporâneos

Este capítulo discute como valorizar o PCI por meio da educação, do turismo sustentável, das políticas culturais e das tecnologias digitais. Ele destaca desafios como o êxodo rural e o colapso da transmissão intergeracional, propondo estratégias comunitárias baseadas no diálogo e na ação coletiva.

Estudos de caso

O Ecomuseu do Corvo é uma iniciativa que promove a salvaguarda participativa do PCI na ilha mais isolada dos Açores. Mapeia o conhecimento local e organiza atividades comunitárias, valorizando o território e os residentes como curadores da sua própria cultura, em linha com os princípios da sociomuseologia.

Ecomuseu do Corvo (Portugal)

Localizado na ilha mais pequena e isolada dos Açores, o Ecomuseu do Corvo é uma iniciativa focada na valorização do PCI, nascida do desejo de preservar e transmitir os modos de vida tradicionais face ao despovoamento e às pressões da globalização.

O ecomuseu desenvolve inventários participativos, mapeando coletivamente conhecimentos e práticas como a pesca artesanal, a panificação e as tradições orais relacionadas com o mar e o cultivo da terra. Também organiza exposições comunitárias, visitas guiadas, círculos de diálogo e ações ambientais que fortalecem a conexão entre o PCI e a paisagem da ilha. As atividades desenvolvidas pelo Ecomuseu também integram a narrativa como ferramenta de mediação cultural — os residentes partilham as suas experiências, conhecimentos e memórias na primeira pessoa, fortalecendo a ligação entre o passado, o presente e o futuro.

É um museu sem paredes, onde o território é a coleção e os residentes são os verdadeiros curadores da sua própria cultura (Ecoheritage, 2024). Esta perspetiva está alinhada com os princípios da sociomuseologia, que reconhece o museu como uma ferramenta de transformação social e diálogo comunitário (Primo & Moutinho, 2020).

Ferramentas de autoavaliação

Questões de autorreflexão

Q1

O que caracteriza o Património Cultural Imaterial na sua comunidade?

Q2

Que práticas culturais vivas existem na sua comunidade?

Q3

Quem são os detentores do conhecimento na sua localidade?

Q4

Como poderia começar um mapeamento participativo do PCI local?

Q5

Como o uso de histórias e narrativas pode fortalecer o reconhecimento e a valorização do PCI na sua comunidade?

Q6

Que considerações éticas devem ser levadas em conta ao documentar uma tradição?

Q7

O que a sua comunidade já está a fazer — ou o que poderia fazer — para preservar as suas práticas culturais?

Q8

Como as diferentes gerações podem se envolver no reconhecimento e na valorização do PCI?

Q9

Que recursos locais (escolas, associações, espaços públicos) podem apoiar um inventário participativo?

Q10

Como o PCI pode envolver-se com os desafios locais (desemprego, migração, perda de identidade)?

Teste de autoavaliação

Referências

Conselho da Europa. (1992). European Convention on the Protection of the Archaeological Heritage (Revised). European Treaty Series, 143.

Conselho da Europa. (2005). Faro Convention on the Value of Cultural Heritage for Society.

EcoHeritage. (2024). EcoHeritage Project. EcoHeritage Project.

European Union. (2019). Directive (EU) 2019/790 of the European Parliament and of the Council of 17 April 2019 on copyright and related rights in the Digital Single Market and amending Directives 96/9/EC and 2001/29/EC.

Florêncio, S. R. R., Bezerra, J. I. M., Clerot, P., Cavalcante, I. M. P., Silva, J. de S., Long, L., Krohn, E. C. R., Silva, A. P., Medeiros, M. da G., & Dutra, M. V. de M. (2016). Educação Patrimonial: Inventários Participativos. IPHAN/MEC.

Florêncio, S. R. R., Clerot, P., Bezerra, J., & Ramassote, R. (2014). Educação Patrimonial: Histórico, conceitos e processos. Iphan.

Freire, P. (2005). Pedagogy of the oppressed: 30th Anniversary Edition (M. B. Ramos, Trad.; 30th anniversary edition). Bloomsbury Publishing.

Horta, M. de L. P., Grunberg, E., & Monteiro, A. Q. (1999). Guia Básico de Educação Patrimonial. IPHAN.

Primo, J., & Moutinho, M. (2020). Referências teóricas da Sociomuseologia. In J. Primo & M. Moutinho, Introdução à Sociomuseologia (p. 17–34). Lusófona.

Sou, G., Carvalho, J., Cidade, N., & Nico, M. E. (2022). A New Method to Bridge New Materialism and Emotional Mapping: Spatio-Emotional Experiences in Disaster-Affected Brazilian Favelas. The Qualitative Report, 27(11), 2432–2445.

UNESCO. (2003). Convention for the Safeguarding of the Intangible Cultural Heritage.

UNESCO. (2024). Capacity-building materials repository. UNESCO Intangible Cultural Heritage.

 

Fontes adicionais

ich.unesco.org/en/home

ijih.org

ichngoforum.org

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